(Review 220) - As Elizas

Título original: The Elizas

Autor: Sara Shepard

Editora: Harper Collins (Brasil) / Atria Books (EUA)

Resenha: 

Sara Shepard é um guilty pleasure desde que comecei a ler e descobri Pretty Little Liars. Como não amar? É aquela autora que consegue pegar uma história que poderia ser típica e transformar em algo grande, delicioso de ler. A ambientação é sempre requintada, transportando o leitor à um mundo cheio de finesse mas também de muito segredinhos sórdidos. E quem não curte esses elementos em uma história?

Além disso os personagens que Shepard nos traz são sempre controvertidos, disfuncionais, gente que sempre esconde uma carta na manga (ou quem sabe uma arma também?). Eu adoro como a autora brinca com a mente do leitor, as histórias dela sempre nos fazem questionar se o que estamos lendo é realmente real ou produto da mente alucinada de seus personagens. Há momentos em que as situações são tão ardilosas que parecem tiradas dos melhores livros de vilões já lidos. E a maneira como tudo está narrado, oferecendo em detalhes os perfis de seus personagens e o lado mais pessoal de suas vidas, permite ao leitor sentir-se quase como um observador oculto, um stalker talvez, alguém pronto pra encontrar a brecha certa que revelará de vez os segredinhos ocultos e as máscaras tão bem delineadas por seus personagens. 

Eu nunca tinha lido um suspense adulto de Sara. Todos os livros que li eram juvenis, com personagens adolescentes, vivendo vidas adolescentes. Foi revigorante ler algo diferente da autora, uma trama mais madura, com uma personagem que surpreende por ser simplesmente um poço de contradições.

Eliza não confia nem nela mesma. Simples assim. Suicida em potencial, Eliza convive com surtos psicóticos e lapsos de memória bem estranhos. Ela acha que tudo é culpa daquele tumor horroroso que teve ainda na infância. Menos mal que os médicos conseguiram remover tudo. Porém, porque Eliza ainda manifesta os sintomas típicos da doença?

Apesar dos altos e baixos, Eliza conseguiu escrever um livro em praticamente uma sentada. A escritora iniciante deu sorte e conseguiu encontrar uma editora interessada em seu livro, As Dots. Quando Eliza sofre um acidente em uma piscina de um hotel em Salt Lake, o escândalo da possível tentativa de suícidio ajuda ainda mais o livvro a bombar antes mesmo de seu lançamento, e quando Eliza passa a argumentar que pode ter sido empurrada em uma ardilosa tentativa de homicídio, ela terá que lidar com o descrédito de todos ao seu redor, enquanto tenta provar que diz a verdade. Acontece que sua família insiste demais na versão do suícidio e além disso sua mãe parece estar desconfortável com o sucesso literário da filha, alegando que As Dots não deveria ser publicado. Será que há algo no romance de Eliza que pode escancarar verdades e segredos que a família quer ocultar? Mas Eliza tem aqueles estranhos lapsos de memória, e ela vê coisas que não existem, se sente perseguida por desconhecidos e possuí aquela estranha tendência de tentar se afogar, daí, como confiar em uma narradora que parece estar bem longe do que conhecemos como sanidade?

E nessa de tentar descobrir o que é real do que não é, o leitor embarca nesse mundo contraditório de Eliza, se sentindo fisgado por seu desespero e sua certeza mórbida de que desta vez há um assassino à solta. E ao mesmo tempo, tentando analisar o porquê de Eliza ser assim, tão pouco confiável. 

O ponto chave do livro é esse. Brincar com o leitor apresentando essa protagonista que é uma mistura de todas as garotas psicóticas que já li, mas ao mesmo tempo também possuí um carisma enorme, uma fragilidade que faz o leitor querer acreditar nela e dizer que tudo vai ficar bem. Eliza parece estar perdida, tentando provar o impossível e quando passamos a conhecer os fatos, temos mais certeza de que ela sofre de algum distúrbio mental. Mas é Sara Shepard quem escreve e com Sara aprendi que sempre existe um às na manga, um detalhezinho pequeno que passa despercebido e ao final revela-se outra vez, grandioso, fazendo o leitor pular da cadeira e dizer: Ah, como não pensei nisso antes??!!

Eliza é aquele personagem para amar ou duvidar até a última página. Ela é nada convencional, foge de qualquer padrão, um ponto de exclamação ambulante. Pra quem gosta de livros onde a protagonista é literalmente uma "mocinha de capa e espada", Eliza pode soar uma incógnita grande demais em princípio. Mas garanto queridíssimo leitor, ler esse livro de mente aberta, preparado pra essa protagonista cheia de grandes defeitos, eternamente ligada no "modo paranóia" também pode ser uma experiência divertida, surpreendente e alucinante, já que Eliza é imprevisível do princípio ao fim.

Adoro a escrita de Sara Shepard. Direta, verdadeira, irônica, sarcástica, divertida e cheia de segundas e terceiras intenções, é um bálsamo sair da mesmice e me divertir com os personagens classudos e sem pudor de Shepard. Sara praticamente esmiuça os privilegiados da sociedade americana, escancarando os podres, os vícios e os pecados dos novos emergentes e sempre poderosos. Eu amo porque seus personagens são na maioria das vezes confiantes, vaidosos de si mesmos, e sem quase nada de escrupúlos quando se trata de proteger os segredinhos. 

A trama vai apresentando umas reviravoltas bem inesperadas, que vão surgindo do nada e surpreendem o leitor pois apesar de surgirem de repente são coerentes com a narrativa inicial, nunca perdendo o foco ou o ritmo da história.

Um plus à mais em As Elizas é que o livro apresenta capítulos intercalados. Conhecemos por um lado o perfil e vida de Eliza, e em outro momento também vamos ler em primeira mão seu livro e a trama obscura e retorcida criada por Eliza. Eu achei uma idéia arriscada inicialmente, achava que não iria me afeiçoar ao livro de Eliza pois como me empolgar com um livro contado dentro de outro livro? Mas acredite, é tudo tão bem pensado que o leitor fica viciado em ambas as tramas, ansiando pelo desfecho e tentando ler nas entrelinhas. É maravilhoso e inteligente como aos poucos as histórias se entrelaçam para tornar-se uma trama única, achei astuto e se nota como foi cuidadosamente planejado pela autora desde o início.

Enfim, As Elizas é uma mistura de tudo o que já conhecemos de Sara Shepard mas com toques novos da autora também. Ela se mantém fiel ao estilo que a consagrou, dá pra notar sutis semelhanças com outras tramas dela, mas, ao mesmo tempo ela se distancia bastante ao apresentar essa protagonista fora do comum, que parece habitar no limite entre a sanidade e a paranóia. A trama é bem mais adulta e a linguagem acompanha esse teor mais maduro da história, achei que Shepard esteve mais confortável aqui, narrando sem pudores o que lhe vinha à mente, e dá pra sentir essa maior liberdade na escrita leve e maliciosa da autora. Shepard outra vez me prendeu e me surpreendeu, e fez valer à pena mais uma vez escolher desfrutar de mais uma de suas histórias.